Guimagüinhas
Memórias familiares e de minha terra natal
Textos
Acima: Foto dos jogadores e Comissão Técnica da Seleção de 1966, tirada no Cassino, em Lambari

A Seleção em Aguinhas
 
Por toda a cidade e de modo especial na turminha do futebol da Igreja Protestante, a notícia caiu como uma bomba: A seleção brasileira de futebol, como parte dos preparativos para a Copa do Mundo na Inglaterra, fará um período de treinamento em Aguinhas. E a notícia eletrizou a cidade. Em Aguinhas? Não é possível. Ninguém acreditava e todos correram ao jornal, ao rádio, à TV, à Prefeitura, a busca de informações.
 
Mas assim foi. E, algum tempo depois, desembarcavam em Aguinhas os 47 jogadores convocados, dos quais somente 22 iriam, ao final, carimbar o passaporte para a Copa do Mundo.
 
O antigo campo do Esporte em frente ao belo Cassino, totalmente remodelado, graminha nova e decotada, deu lugar ao Estádio do Aguinhas, especialmente para que a Seleção ali pudesse realizar os seus treinamentos. E Aguinhas foi tomada por um movimento incomum: repórteres, autoridades, torcidas organizadas, exibições da Esquadrilha da Fumaça, turistas, muitos turistas...
 
Eu era um menino de coração botafoguense que respirava futebol e oportunidade como essa não podia ser perdida: ver ao vivo os jogadores que abiscoitaram por duas vezes o caneco mundial, como Pelé, Garrincha, Gilmar, Orlando, Bellini, Zito. E eu não perdi ocasião. Chegava da escola, fazia o dever, levantava correndo e dizia: — Tchau, mãe, to saindo pra casa da tia Clélia e de lá vou ficar acompanhando os treinamentos da Seleção. E assim fiz durante os quinze dias em que os jogadores permaneceram em Aguinhas. Do Botafogo, quase meio time fora convocado: Manga, Jairzinho, Rildo, Parada e Gérson. E Garrincha e Amarildo, que já haviam deixado o time do Rio de Janeiro, não deixaram de ser botafoguenses, assim eu considerava.
 
A garotada de Aguinhas, do mesmo modo que todas as crianças do mundo, vivia também acotovelada à entrada do Hotel Itaici, no costumeiro empurra-empurra, olhos fixos na portaria, na expectativa de qualquer um que pudesse dar-lhes um autógrafo. Munido de uma pequena caderneta, eu estava lá também e num dia de sorte, pois Pelé veio saindo e todos corremos para ele, e o Rei do Futebol levou a mão, em meio a uma centena de pequenas mãos que empunhavam papel e lápis, e tomou exatamente a “minha caderneta” e anotou: P-e-l-e e, rematou, pondo como acento do “e”, uma bolinha: º . Me desembaracei da multidão, corri à farmácia e mostrei ao pai; corri pra casa, mostrei à mãe; corri pro campinho da igreja e exibi orgulhoso o troféu, enchendo d’água a boca da criançada, pois que fui o primeiro da turma a obter tal preciosidade.
 
Tão preciosa quanto a assinatura de Pelé, era também a de Garrincha. E numa tarde, lá pelas duas horas, vi que o craque conversava com dois companheiros, os três quase encobertos pelos carros que estavam estacionados à porta do hotel. Fui me aproximando, rondando, cismado, com medo de interromper a conversa, e sem sacar do bolso os equipamentos daquele novo esporte que inflamara os miúdos de Aguinhas: disputar autógrafos dos craques da Seleção. Mané, já acostumado ao cerco dos fãs, voltou-se, me olhou e ele próprio me disse: — Me dá aí, garoto, que eu assino. E colheu das mãos assustadas e tímidas do menino o lápis e a caderneta, nela deixando registrado um todo garranchado Manoel dos Santos, tortuoso, insinuante e mágico, como os dribles que aplicava. E eu pude fazer outra exibição vaidosa à turma do futebol, dessa vez, acrescentando: — E o homem ainda falou comigo!
 
Eu estava por perto, por exemplo, quando Pelé e Garrincha deixaram as marcas dos pés numa placa de cimento que até hoje existe no campo do Aguinhas. Nela está também a mão de Gilmar. Eu vi o Manga, então duas vezes maior do que eu, ficar apanhando bolas lançadas ao gol com uma única mão, tamanha era esta, que apresentava tortos os enormes “mindinhos”, em razão das repetidas quebraduras que as batidas de bola infligiram ao longo do tempo. Eu estou, ao fundo, na foto tirada atrás do Cassino que saiu na revista O Cruzeiro e que reúne todos os jogadores juntamente com a Comissão Técnica. E, pra quem conhece a foto, mas não sabe os nomes dos craques, eu, de bate-pronto, vou aqui consigná-los, visto que sempre os tive na memória, bem decoradinhos:
 
Fábio, Gilmar, Manga, Ubirajara e Valdir (goleiros); Carlos Alberto Torres, Djalma Santos, Fidélis, Murilo, Édson Cegonha, Paulo Henrique e Rildo (laterais); Altair, Bellini, Brito, Ditão, Djalma Dias, Fontana, Leônidas, Orlando Peçanha e Roberto Dias (zagueiros); Denílson, Dino Sani, Dudu, Edu, Fefeu, Gérson, Lima, Oldair e Zito (apoiadores); Alcindo, Amarildo, Célio, Flávio, Garrincha, Ivair, Jair da Costa, Jairzinho, Nado, Parada, Paraná, Paulo Borges, Pelé, Servílio, Rinaldo, Silva e Tostão (atacantes).
 
Eu assisti ao jogo treino “oficial”, para o qual se cobraram ingressos e foram montadas diversas arquibancadas, essas tomadas por empréstimo a uma companhia de touradas que por essa época rondava por Aguinhas. (Segura, Xereta, que a vaca é preta!) Quatro times, quatro cores de camisas, quarenta e quatro craques, três substituições e o menino e, também, sua mãe (ela lá, empencada em mim, que nem num dia como esse ela me largou), apertados, se equilibrando na arquibancada improvisada, assistindo a tudo com emoção e atenção redobradas, procurando fixar na memória cada jogada, cada toque, cada drible, cada chute, que ele tentaria depois repetir no campinho da Igreja Protestante. (1)
 
E, de quebra, vi Pelé apoiar o pé no alambrado pra amarrar a chuteira – deu um nó simples, como se fora um sapato, técnica que um craque de Aguinhas — o Crisóstomo — já ensinava por aqui há tempos (a maioria dos boleiros costumava dar voltas e nós num longo cadarço, passando-o por baixo e por cima da chuteira, por trás e pela frente da canela). (2) 

No dia em que a Seleção deixou Aguinhas, minha caderneta preciosa já registrava os históricos quarenta e sete autógrafos. Infelizmente, quando mãe teve de vender um velho tager para o tio Messias, com ele foi a minha suada coletânea, que nunca mais ninguém viu.

(1) Fotos de times que participaram deste jogo treino podem ser vistas nestes links:

     - http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=36972
     
     - http://cacellain.com.br/blog/?p=37425


     - Uma outra foto desse jogo treino também pode ser vista aqui link.
Nota: Nesse link, para localizar a foto, você deverá deverá percorrer a página eletrônica até mais ou menos sua metade.
(2) Sobre os treinos da seleção em Aguinhas, veja: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=37347

(3) Veja este texto/foto sobre os autógrafos de Pelé e Garrincha: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=37578

(4) Veja este texto sobre autógrafos dos jogadores: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=37722​.

(5) Veja este texto sobre Tostão: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=39170​.

(6) Veja este texto sobre um postal histórico com autógrafos dos jogadores da seleção: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=40436.

(7) V
eja este texto sobre o Crisóstomo: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=37044

(8) Veja este vídeo sobre a Seleção de 1966 em Lambari: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=44746​
 
 
Vocabulário de Aguinhas

(*) Tager - etager = móvel, cômoda. [A pronúncia corrente em Aguinhas era tager.]

 (**) Este texto faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem e narra a estada da Seleção Brasileira de Futebol em Aguinhas, antes da Copa de 1966.

O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimãrães (Guima, de Aguinhas) assina a série HISTÓRIAS DE AGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.
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Enviado por Guimaguinhas em 09/03/2013
Alterado em 16/06/2015
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